22/02/2016
Processos administrativos tributários devem terminar em prazo razoável

Justiça Tributária

Processos administrativos tributários devem terminar em prazo razoável

22 de fevereiro de 2016, 11h07

Por Raul Haidar

Muitos contribuintes quando sofrem autos de infração e apresentam defesas e recursos administrativos, verificam demora excessiva nas decisões dos órgãos julgadores tanto na primeira quanto na segunda instância. Com isso, tais pendências tributárias são acrescidas de juros, além da correção monetária. A suposta dívida atinge valores que ameaçam o patrimônio dos contribuintes, de forma a lhes causar sérios transtornos.

Tal situação pode ser resolvida judicialmente, ante o evidente abuso que a excessiva demora nos julgamentos representa.

A primeira e mais relevante norma a ser invocada nesses casos é o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional 45 de 8 de dezembro de 2004, a garantir que:

“a todos, no âmbito judicial ou administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal) devem obediência expressa a tal norma.

No âmbito federal a matéria é regulada pela Lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999, que “regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.”

O artigo 1º dessa lei registra que seu objetivo é estabelecer “normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.”

A Lei 11.457 de 16 de março de 2007 em seu artigo 24 determina que

“É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.”

Mesmo que as legislações estaduais e municipais não adotem norma similar, não podem ignorar o mandamento contido no artigo 5º da Constituição Federal, já mencionado.

No estado de São Paulo a Lei Complementar 939 de 3 de abril de 2003 que institui o código de direitos, garantias e obrigações do contribuinte, determina em seu artigo 8º que a “Administração Tributária atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público, eficiência e motivação dos atos administrativos.”

Tal redação praticamente repete a norma do artigo 37 da Constituição Federal, em cumprimento ao artigo 111 da Constituição do Estado: “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.”

Os municípios nas respectivas leis orgânicas adotam os mesmos princípios e, mesmo que os omitam, obrigam-se ao cumprimento do determinado na Constituição Federal.

Embora não haja definição legal do que é prazo razoável, claro está que decisões administrativas não podem ultrapassar o prazo de cinco anos, que é o adotado no Código Tributário Nacional nos casos de decadência ou prescrição.

Quando defesas ou recursos aguardam julgamento há mais de cinco anos tal demora prejudica o governo e o contribuinte. O primeiro poderia apressar eventual cobrança de seus créditos e o segundo livrar-se dessa pendência. Isso atinge especialmente as empresas obrigadas a tornar públicas suas contas e contabilizar os valores como contingências ou pendências. Exatamente por isso muitos contribuintes procuram a Justiça para que autoridades cumpram obrigações pelas quais são pagas.

Já foi noticiada na ConJur em 5 de março de 2014 decisão da Justiça Federal ordenando ao fisco federal que resolvesse em 10 dias processo que aguardava solução por mais de um ano. Pode o leitor encontrar a íntegra da sentença anexada à matéria então divulgada, onde se faz referência a jurisprudência do STJ.

Parece-nos perfeitamente aplicáveis no caso dessas demoras a prescrição intercorrente. Alegam algumas autoridades fazendárias que, face ao grande volume de processos a julgar, o prazo de 360 dias não pode ser praticado e que não existiria tal forma de prescrição no caso. Como é público e notório, tais pessoas ignoram garantias do contribuinte. Veja-se a respeito o decidido no REsp 855.525/RS (1ª Turma, relator ministro José Delgado, v.u., DJ de 18.12.2006), cuja ementa segue transcrita:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. FEITO PARALISADO HÁ MAIS DE 5 ANOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. ART. 219, § 5º, DO CPC (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.280/2006). DIREITO SUPERVENIENTE E INTERTEMPORAL.

A jurisprudência dos tribunais pátrios já vem reconhecendo a prescrição intercorrente mesmo em relação a processos administrativos. Nesse sentido a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu:

“DIREITO TRIBUTÁRIO – IMPUGNAÇÃO – DECADÊNCIA – O Estado tem cinco anos para constituir definitivamente o crédito tributário, o que equivale a dizer que, no prazo de cinco anos, deve julgar a impugnação havida, pena de decadência. Apelação provida.” (Apelação Cível 59603816-6, Relator Dês. Romeu Elias de Souza)

“PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO-ARTIGO 151, III, CTN – Durante a reclamação ou recurso administrativo, está suspensa a exigibilidade do credito administrativo, não correndo prescrição – Entretanto, quando se está diante de incomum inércia, com a paralisação incompreensível do procedimento durante sete anos, sob pena de se aceitar a própria imprescritibilidade, não há como deixar de reconhecer a prescrição.”(Ap. 597200054, Rel. Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa)

Também há posições doutrinárias na mesma direção. A professora Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico (Ed. Saraiva, 1988, Vol. 3, pág. 699) define a prescrição intercorrente como aquela que “...é admitida pela doutrina e jurisprudência, surgindo após a propositura da ação. Dá-se quando, suspensa ou interrompida a exigibilidade, o processo administrativo ou judicial fica paralisado por incúria da Fazenda Pública.”

Ensina ainda o professor Walmir Luiz Becker que:

“Seria contrário ao princípio constitucional da moralidade administrativa, consagrado no art. 37 da Constituição Federal de 1988, admitir-se que a administração tributária, em face de um processo administrativo fiscal, pudesse ficar inerte pelo tempo que bem entendesse, sem maiores cuidados quanto à movimentação deste, no pressuposto de que não estaria sujeita à decadência ou prescrição, enquanto não proferida a decisão final do julgador administrativo.” (14/3/2001, em tributario.net)

Conclui-se, portanto, que qualquer processo administrativo resultante de autuação tributária deve ser concluído em prazo razoável, aplicando-se na demora a prescrição intercorrente. Ninguém pode ser obrigado a sujeitar-se aos abusos do fisco, quando tem direito a ver a sua situação definida em prazo determinado. Quando entender necessário, deve o contribuinte acionar o Judiciário para obter decisão imediata do caso, quando o prazo legal estiver ultrapassado.

Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2016, 11h07
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