30/06/2016
MPF pede que Carf anule decisão contaminada pela Zelotes

MPF pede que Carf anule decisão contaminada pela Zelotes

29/06/2016

Por Bárbara Lobato Brasília

Quinze meses depois do início da operação Zelotes, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) recebeu o primeiro pedido de anulação de um julgamento supostamente contaminado pelo esquema de corrupção e compra de decisões que colocou o tribunal sob suspeita. O pedido partiu do Ministério Público Federal (MPF), que avalia preparar outros requerimentos semelhantes.

O documento foi endereçado há pouco mais de 60 dias ao presidente do conselho, Carlos Alberto Barreto, e espera por movimentação dentro do tribunal administrativo. O julgamento questionado pelo MPF envolve uma dívida tributária de R$ 8,6 milhões contraída pelo dono do Grupo Petrópolis, Walter Faria.

No comunicado, o MPF sugere que a decisão favorável a Faria, proferida em 2014 pelo Carf, seria nula, já que um dos conselheiros do órgão, Pedro Anan Júnior, teria atuado “de má-fé”.

De acordo com o requerimento, Anan, que representava os contribuintes no conselho, somente teria votado de forma favorável ao empresário por ter recebido vantagem indevida de outros quatro denunciados na Zelotes: Benedicto Celso, Guilherme Macedo Soares, Paulo Cortes e Nelson Malmann.

O andamento do caso demonstra que Soares era advogado de Faria, e chegou a fazer sustentação oral no processo administrativo. Annan Júnior foi dispensado do Carf no dia 2 de julho, sendo denunciado em abril deste ano pelo MPF.

Os procuradores acusam o ex-conselheiro de ter recebido R$ 46,9 mil para votar de forma favorável a Faria.

A assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda, ao qual o Carf é vinculado, confirma o recebimento do requerimento. De acordo com a Pasta, o conselho intimou as partes para se manifestarem sobre a suposta nulidade da decisão, em um procedimento que “poderá suceder nova apreciação do mérito do processo”.

A operação Zelotes teve seu primeiro desdobramento público em março do ano passado. A investigação é conduzida por uma força-tarefa composta pelo MPF, a Polícia Federal, a Receita Federal e a Corregedoria interna do Ministério da Fazenda. Apura um esquema de venda de votos e pedidos de vista por parte de integrantes do Carf – última instância administrativa para questionar autuações do Fisco.

Além disso, os investigadores também encontraram indícios de negociação de benefícios tributários, como cortes de impostos, para montadores. As benesses foram incluídas em medidas provisórias presidenciais.

Origem não comprovada

O processo questionado pelo MPF diz respeito à cobrança de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e multas sobre um depósito de US$ 3,6 milhões feito em 2012 em uma conta de Faria na Suíça. A Receita Federal intimou o empresário a prestar esclarecimentos sobre a origem do montante, mas não aceitou a documentação apresentada como prova.

Segundo tributaristas ouvidos pelo JOTA, o procedimento é adotado pela Receita nos casos em que pessoas físicas realizam movimentações financeiras que não condizem com sua renda. O fato de o contribuinte não conseguir provar a origem da operação pode ter implicações na esfera penal – como atribuição de crimes como lavagem de dinheiro e eventualmente evasão de divisas.

No Carf o relator do caso de Faria votou de forma desfavorável ao empresário, mas o entendimento ficou vencido.

A maioria dos julgadores seguiu o conselheiro Rafael Pandolfo, que entendeu que a 1ª instância administrativa – a Delegacia Regional de Julgamento – manteve a autuação contra Faria com base em fundamento distinto do utilizado pela Receita Federal para cobrar o imposto e as multas.

A decisão que livrou Faria da cobrança é de 2014, porém existem andamentos processuais no caso que datam de 16 de junho de 2016. De acordo com funcionários do Carf, o fato demonstra que nessa data novos documentos foram juntados ao processo.

O JOTA apurou que nos próximos dias é possível que o MPF encaminhe outros ofícios semelhantes para pedir a anulação de julgamentos no Carf com “voto viciado no caso, favorável às pretensões da contribuinte”.

O pedido de nulidade do Ministério Público tem como base o artigo 53, da lei nº 9478/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Diz o artigo que a “administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.

Anulação

O Carf possui um procedimento para anulação de julgamentos irregulares, incluído no Regimento Interno do órgão em maio. De acordo com a norma, a nulidade poderá ser apresentada pela Receita Federal, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), pelo Corregedor-Geral do Ministério da Fazenda ou pelo Ministério Público Federal (MPF), sendo analisada pela própria turma que proferiu o entendimento supostamente irregular.

De acordo com o texto, caberá recurso da decisão da turma que decidiu pela nulidade ou não do julgamento. As partes poderão recorrer à instância máxima do Carf, a Câmara Superior, ou eventualmente o Judiciário.

A alteração no Regimento Interno deixa claro que a Fazenda Nacional poderá cobrar os débitos tratados nos processos discutidos em representações de nulidade. Segundo a norma, esse tipo de recurso não se encaixa em nenhuma das hipóteses de suspensão de exigibilidade tratados no Código Tributário Nacional (CTN).

Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda, o pedido de nulidade feito pelo MPF será julgado de acordo com a previsão regimental. Desta forma, caso seja constada a existência de irregularidades o mérito do caso será analisado novamente pelos conselheiros.

Procurada, a assessoria de imprensa do Grupo Petrópolis informou que “o empresário Walter Faria não vai se posicionar sobre o assunto”.

JOTA
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