05/06/2017
O teste do tanque de gasolina


O teste do tanque de gasolina

Por Everardo Maciel -

02/06/2017

Ninguém poderia imaginar que a corrupção, no Brasil, tivesse assumido caráter sistêmico e descomunal proporção.
A Lava-Jato presta ao País um serviço impagável no enfrentamento da corrupção. A exemplar punição aplicada aos infratores, todavia, não será capaz de prevenir recidivas desse mal.
Persistem as práticas que estão na origem da corrupção, como o afilhadismo político e as emendas parlamentares.
No Congresso, se discute a convalidação de incentivos fiscais do ICMS para sanar a ilegalidade da concessão. Alguns benefícios, entretanto, já estão sendo investigados por suspeita de corrupção.
A convalidação é uma atitude realista, que protege a boa-fé dos que investiram. Deve, contudo, se fazer acompanhar de critérios objetivos para concessões futuras e de sanções severas pelo descumprimento das normas. Além disso, a convalidação deve excluir expressamente qualquer benefício outorgado em virtude de práticas ilícitas.
Volta também a ganhar força, no Congresso, a pretensão de anistiar débitos fiscais em programas de parcelamentos. Trata-se de uma ofensa aos que pagam impostos regularmente.
Anistias somente devem ser admitidas em situações muito específicas, como transações tributárias.
É necessário introduzir, no Código Tributário Nacional (CTN), regra restringindo o uso desse instituto e, em consequência, prevenindo desarrazoadas iniciativas legais.
De igual modo, o CTN deveria prever o aproveitamento sistemático e automático de quaisquer créditos fiscais, no âmbito de um mesmo ente federativo.
Em outro plano, é necessário discutir as regras da delação premiada e leniência.
Não há dúvidas quanto à relevância desses instrumentos no combate à corrupção. São, todavia, regras novas que ainda não foram suficientemente experimentadas, para que se possa conhecer seus limites e eficácia.
O prêmio da delação deve levar em consideração seu alcance ou a dimensão dos crimes praticados pelo delator?
Qualquer que tenha sido o alcance da delação dos irmãos Batista, ninguém consegue entender o “indulto” criminal concedido. Estariam previstas, no prêmio dessa delação, a debochada remoção para Miami do iate de luxo do delator e sua vida nababesca em Nova Iorque, incluindo suntuoso apartamento no coração de Manhattan e jantares em restaurantes badalados? Parece que há algo errado no modelo.
Quais os limites da leniência? Quais órgãos públicos estão investidos de competência para dispor sobre esses limites? Precisamos discutir esse tema.
Não é admissível a condescendência com os crimes de vazamento. O art. 325 do Código Penal tipifica com clareza o crime: “Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deve permanecer em segredo ou facilitar-lhe a revelação”.
Com completa naturalidade, se noticiam fatos que “correm em segredo de justiça e que o veículo teve acesso”. São crimes a céu aberto, sem que haja qualquer iniciativa para investigá-los.
É certo que o vazamento pode, também, ser operado por pessoa que detém a informação e não exerce cargo público.
Ainda assim cabe investigar se houve interesse ilícito no vazamento, a exemplo de práticas de insider trading, que consiste na realização de operações vantajosas no mercado financeiro com base em informações relevantes que ainda não são de conhecimento público.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está investigando se ocorreu aquela prática, quando do vazamento da ardilosa gravação do Presidente Temer. Não há vazamentos inocentes.
Inexistem surpresas nas reações dos que julgam que perderão privilégios com a reforma previdenciária e dos que bradam perdas de direitos dos trabalhadores na reforma trabalhista, quando em verdade apenas defendem o abominável “imposto sindical”.
Chocante é ver as cenas de violência protagonizadas pelas hordas reacionárias. É preciso pôr termo à barbárie. Quando a Polícia for incapaz de conter os vândalos, não se deve hesitar em convocar as Forças Armadas.
Afinal, não convém riscar fósforos para verificar se há gasolina no tanque do automóvel.
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Everardo Maciel
Consultor tributário. Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Foi secretário da Receita Federal de 1995 a 2002.

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